Acena do outro passeio e apressa-se ao atravessar, mas a cordialidade é fingida, no aperto de mão exagera a força, e o sorriso há muito lho conheço, pois quase sempre acompanha um pedido de opinião, as mais vezes subentendendo que nos encontramos no mesmo lado da trincheira.
Faz um ano que o não via, mas francamente confesso que não lhe senti a falta, talvez por ter sido dos colegas que, fosse qual fosse a moda, política, social, do desleixo na roupa ou outra, logo a adoptavam com fanatismo, certos e seguros da obrigação de segui-la, dando assim não uma, mas sortidas provas do seu vanguardismo e pertença ao rebanho.
Discutir com esse tipo de gente não leva a parte nenhuma, é tempo que se perde, mas o trato social tem as suas exigências, lá veio então a troca de perguntas clássicas sobre a saúde, o bem-estar, quantos netos, as férias, a carestia...
Satisfeito esse ritual, e como se a curiosidade de sabê-lo de repente lhe ocorresse, agarrou-me o braço, e num tom de confidência perguntou se me recordava da conversa que uma vez tínhamos tido sobre os judeus de Trás-os-Montes.
Respondi-lhe francamente que a minha memória há muito embirra, mas é provável que essa conversa tenha acontecido, pois de uma maneira ou doutra, no Nordeste transmontano somos muitos, eu incluído, que pelo aspecto não destoaríamos em Israel.
O seu sorriso, e o modo satisfeito de quem vê confirmada uma certeza, pareciam trair não ter sido de todo acidental o inespertado encontro. Um momento calado, a expressão grave de quem está a reflectir, finalmente decidiu:
- É terrivel o que está a acontecer, mas comprendo que escolhas o lado de Israel. O que a mim custa aceitar...
Nunca vou saber o que não aceita, porque lhe voltei as costas, farto que ando de fanáticos e peritos cheios de certezas, e sempre no lado bom.