Quem me dera voltar ao tempo das certezas, dos sonhos e esperanças, aqueles dias que amanheciam com promessas que às vezes se realizavam. Mas dizer isto, sei-o por demais, é apenas a prova dos nove de que, traga ela o que trouxer, alcancei a fase de aceitação do dia-a-dia.
No tempo que aí vem haverá mudanças radicais, invenções de pasmar, formas inesperadas de submissão, viagens a Marte. Pode ser até que, finalmente, os extraterrestres que há muito vivem entre nós disfarçados em vizinhos, saiam desse seu armário e peguem nas rédeas da governação.
O que mesmo para
eles se revelará um bico-de-obra, pois tal como somos, este nosso mundo não se
pode passar de governos, polícias e exércitos. Não que isso garanta seja o que
for, mas porque mantém viva a ilusão de que é difícil - não impossível -
comermo-nos uns aos outros.
E porque o mundo não funciona sem religiões outras virão, pois só a fé garante
a esperança - verdadeira ou falsa, pouco importa - de termos sempre à mão um
último socorro, uma possibilidade de indulto.
Eu, porém, sem crença que me ajude a confiar nas instituições, nem fé bastante para
me embalar com a certeza de que o Além existe, vivo como a clássica imagem da
rolha sobre a inconstância das águas: bóio calmamente aqui, sou atirado para
acolá, paro, giro, cai-me a onda em cima, sopra-me a tempestade para longe,
volto a boiar calmo.
Daí que consoante a hora e a disposição, eu seja capaz de muito justificar e
compreender: as guerras, as violências dos regimes, a atracção das seitas, as
desigualdades sociais, as causas da corrupção e do medo, as consequências da
opressão, as loucuras, os crimes. Para logo em seguida sentir contra tudo isso
uma sincera revolta. Observo. Vou boiando. Tipo acabado do homem da rua.