É uma história das que se contavam à lareira nas primeiras décadas do século passado, quando as horas tinham um vagar de preguiça. Mesmo aos que já chegaram aos sessenta, custará a compreender a simplicidade do tempo em que, nas aldeias perdidas nos confins, a experiência do mundo se limitava ao que acontecia no povoado.
À vila só ia, uma vez por ano, o encarregado de nas Finanças pagar as contribuições de todos, e à volta ouviam dele histórias espantosas de abundância, gente que usava outra roupa, uns carros que andavam sem burras que os puxassem.
Nas horas de aflição, doença, grande perigo, ou aquelas tempestades que em minutos destruíam o que seria o sustento do ano inteiro, corriam as pessoas à igreja a fazer promessas. Assim tinha o Nabiço prometido ir em romaria ao Santo Antão da Barca, que lhe curara a burra de uma ferida de que todos diziam que não escapava. Com o animal salvo chegou a hora de cumprir o prometido, e assim uma madrugada deu o Manuel os primeiros passos dos sessenta quilómetros (doze léguas, como então se dizia) que o separavam da capelinha do santo, lá para as bandas do rio Sabor.
Caminhou três dias e parte das noites por ser Lua cheia. Ajoelhado na capela agradeceu ao santo o milagre, rezou uns quantos padre-nossos, três dias depois viram-no chegar à aldeia, derreado mas satisfeito por ter cumprido a promessa. O que não adiantava era perguntar-lhe como tinha sido, por que terras tinha passado, se a capela do santo era realmente tão bonita como diziam.
Encolhia os ombros, virava as costas, mas resposta não dava, a ponto que começaram a suspeitar que lhe devia ter acontecido alguma desgraça. Finalmente abriu-se ao Cegonho, com a promessa de que o não contasse a ninguém: - Somos uns tolinhos! O mundo é muito maior do que nós pensamos! Pra lá do Sabor ainda há casas!