Sabem-no muitos, sei-o eu também por experiência própria e nem sempre agradável, que nisto da escrita o mais cómodo é criar personagens, deixar com eles a responsabilidade das diferenças e dos princípios, de modo que seja nos seus ficcionados lombos que caiam as pancadas, e o autor continue em sossego no seu canto, a salvo dos bandos que, socialmente correctos e climaticamente empenhados, detêm o monopólio das várias purezas e sonham com ‘campos de reeducação’ para os que ainda se mostram indiferentes a que os polos derretam.
Pela minha parte, mostraria um mais apurado sentido da realidade se inventasse então um qualquer Zé Maria, pondo-lhe na boca, e dizendo que nasciam no seu cérebro, as amarguras e desilusões que me atormentam.
Infelizmente, é pouco o que podemos evitar e, para mal nosso, menos ainda aquilo para que encontramos remédio. De modo que não é para qualquer saber escapar por entre os pingos da chuva.
Acreditam muitos que os anos trazem sabedoria. Assim fosse, assim não é. As andanças, os pontapés do Destino, os dos semelhantes, e os trambolhões que por descuido ou tolice se dão, pouco ajudam a compreender da vida. No melhor poderão impedir que se repita um ou outro transtorno, mas a vida é caminho para o qual não há bússola nem mapa.
Vamos indo, paramos aqui e ali, derrapamos nas curvas, caímos na valeta, fazemos o possível por ir a direito. Depois, cansaço ou susto de ver a meta perto, abrandamos o passo, criando nos outros a ilusão de que conseguimos chegar até ali por sabedoria e esperteza.
Na verdade, porém, não escolhemos a rota, nem sequer vamos pelo próprio pé: somos empurrados. A uns leva-os a aragem, a outros o ciclone, a muitos falta a força para içar as velas e, desatinados, enfrentam a tempestade.
Saber da vida? Nem sequer sabemos donde vem o vento ou quem o sopra.