Entra Abril e não falha, chega sempre o momento em que, durante o jantar, a avó arranja pretexto para repetir: "O dia dos meus anos é feriado nacional!"
O avô baixa os olhos, arrepanha os lábios, o resto da família sorri e aguarda a lista que infalivelmente segue: "aqueles inesquecíveis momentos!"; "a solidariedade palpável, a alegria"; "a chegada do Mário à Portela"; "Os nossos pais foram muito amigos"; "Na Almirante Reis, vocês não imaginam o que foi aquele 1° de Maio, o mar de gente!"
Fingem atenção e comem em silêncio, porque ela se irrita quando a interrompem. O episódio com o Urbano e a cena dos pára-quedistas precedem o momento em que encara a nora e suspira: "Foram anos muito felizes. Os melhores da minha vida."
Desta vez trocou-lhes as voltas. Ainda disse "O dia dos meus anos é feriado nacional!", mas em vez do relato costumeiro surpreendeu-os ao anunciar:
- Vou escrever as minhas memórias.
Fez-se o silêncio que precede as bombas, os terramotos, os grandes medos, as aparições da divindade. É que já ouviram em demasia o passado da avó e tremem do que poderá vir. O caso com o italiano, por exemplo. A amizade com a Natércia. O poema que o Cesariny lhe dedicou. A vez que no Café Gelo o Luís Pacheco lhe meteu a mão entre as pernas e depois escreveu uma história engraçada.
- Tenho tanto para contar!
O avô pede mais arroz doce e pensa no rei de Espanha, mas não se lembra bem como foi que ele disse ao Chávez da Venezuela.