“No fim da década de 60 as classes abastadas da sociedade portuguesa e as camadas ditas intelectuais são atacadas por dois bacilos virulentos: o amor sáfico e o marxismo. Por extraordinário que pareça, o safismo vai atacar indiferentemente homens e mulheres. Nos homens os sintomas mais visíveis, provavelmente os únicos, detectam-se na linguagem. Indivíduos escorreitos, ou tidos por tal, começam a dizer que se sentem lésbicos; poetas que eram saudavelmente pederastas passam a ser doentiamente lesbianos. Escritores há que só anseiam por uma inspiração: a lésbica.
No que respeita ao outro sexo, a expressão mais trombeteada do
bacilo foi um livro sensaborão, Novas Cartas Portuguesas das «Três
Marias» (1972), tomado erradamente por um grito de Women’s Lib.
Do bacilo marxista pode dizer-se que foi igualmente gracioso. Nos salões
encontravam-se, displicentemente atiradas sobre as mesas, as obras completas de
Lenine. Caetano dera ordem para que a Censura não impedisse a sua impressão,
desde que nas lombadas e nas capas, em vez do pseudónimo do Vladimir Ilitch
figurasse Ulianov, o nome de família do cujo. E os banqueiros, os filhos dos
banqueiros, os empreiteiros que ganhavam milhões em África, as condessas,
«os-dez-homens-mais-bem--vestidos-do-ano» chamavam-se com piscadelas de olho,
muito secretamente, para nos vãos das janelas, a sussurrar como quem conspira,
dizerem uns aos outros que também tinham lido.
Ao serem anunciadas as eleiçıes de 1969, e ao saber-se que os comunistas
concorreriam sob o manto da CDE, toda aquela gente-bem sentiu arrepios de gozo,
tanto mais que, afirmavam alguns, cabalisticamente, «com os nossos comunistas não
há perigo».
Levado como outros por esse delicioso entusiasmo de uma luta de classes a
fingir, um D. Fernando, marquês de Fronteira, ofertou à CDE, para despesas
eleitorais, meio milhão de escudos. O povo, ao tomar conhecimento, encontrou a
designação
justa para essa novidade em ideologia política: "o marquesismo-leninismo.”
in Portugal, a Flor e a Foice – Quetzal, 2014