Muitos anos passados, um fim da tarde. Chovisca. Deixo
o Jardim de Alcântara e subo até ao Pavilhão Chinês.
Sento-me perto da porta, bom lugar para melhor me entreter com a colecção de bric-à-brac.
Peço uma cerveja.
Pouca gente. De ar absorto, uma encarnação de pintor boémio fuma cachimbo, faz
caretas de desdém, sopra o fumo para o tecto. Num canto da sala duas lésbicas.
No canto oposto uma rapariga sueca bebe Campari e fuma. Digo rapariga,
porque na idade a que cheguei toda a mulher com menos de quarenta anos é
rapariga; e sueca, porque o loiro dos cabelos, as suas feições, o rosto, o
corpo, a maneira desenvolta, e o Aftonbladet aberto sobre a mesa,
razoavelmente confirmam a nacionalidade.
Olho distraído os cartazes, as vitrinas, o cubículo ao fundo donde vem o som de
riso abafado, um tilintar de copos.
A sueca vai-se embora. As lésbicas trocam carícias, indiferentes ao olhar
zombeteiro do empregado. Uma delas, alta e magra, vestida com um masculino fato
preto, gravata idem, cabeleira de azeviche, maquilhagem esbranquiçada, tem um
ar de fantasma teatral. A companheira, rechonchuda e coquette, é do
tipo sofredor.
Bebo outra cerveja. Dois alemães de meia idade espreitam à porta, arriscam uns
passos na sala, olham em volta com o ar de quem teme ter entrado por engano num
lugar de má nota, e desaparecem silenciosamente.
Pago e saio atrás deles. Parou de chover. Volto ao jardim.