Sem as facilidades
da internet seria difícil saber de mim, mas ela procurou, encontrou-me e agora…
A recordação é vaga. Do seu corpo, feições, modo, o que ficou é tão esfumado
que nem sequer daria para fazer um daqueles retratos de composição que a
Polícia mostra na tv. Lembro que era petite e terna. O seu nome...?
Uma entre milhares de mocinhas sul-americanas endinheiradas que, nos anos 50,
enchiam a Rive Gauche, em busca de noções de Francês e romantismo.
Francês e romantismo são aqui eufemismos de cópula.
Lembro dela, sim, o carácter em extremo libidinoso e as refinadas técnicas em
que era perita, focadas todas para o máximo de prazer e salvaguarda de la
virgindad. Porque essa guardava-a ciosamente para ofertar na noite
nupcial.
A nossa relação terá durado quê? Duas semanas? Um mês? Dois? Não faço ideia.
Tinha-me procurado no Google. Quis saber se a recordava, e tive de ser
franco. Desde então seguem-se mails com a história pessoal, a história familiar,
os casamentos, os divórcios, os netos…
É colombiana de Bogotá, mas também vive em Caucun e Miami. Em onze anos escapou
a dois cancros sofreu catorze operações, salvou-se de uma aterragem forçada do
seu próprio avião. Dos acidentes de automóvel perdeu a conta.
Por qualquer motivo ocorreu-lhe que gostaria de rever Paris e de me
reencontrar. Os planos tem-nos prontos: na segunda metade de Maio estará em
França. Atravessará de seguida os Pirinéus, a caminho da província de León e de
um pueblo onde quer procurar as suas raízes, pois daí emigrou um
trisavô.
Esse pueblo, sabe-o ela, descobri-o eu com susto, vindo pela Barca
d’Alva fica a uma escassa hora de Estevais de Mogadouro.
Recapitulando: quase oitenta anos, dois cancros, catorze operações, acidentes
sem conta, aquela história de la virgindad… E um detalhe que acima
esqueci: a senhora escreveu dois livros de poesia que me vai oferecer, ambos já
com dedicatória.
Fujo? Não fujo?