terça-feira, setembro 6

Na hora da Morte

 

O texto que segue foi escrito anos atrás, numa ocasião em que, durante um dia e pico, a Morte (sim, com maiúscula, a de capa negra e foice na mão) se sentou ao meu lado. Medo não senti, antes curiosidade.

Repesco-o agora, em boa saúde, mas arreliado e triste, rogando pragas a todos aqueles que, há cinquenta anos, se afadigam a tratar dos seus interesses pessoais, das suas vaidades, das tolas ganas de poderio, e dão de Portugal a imagem de um país que espelha o seu próprio chico-espertismo.

Na minha idade, a morte próxima, tenho horas em que faço contas, revejo sonhos, listo aspirações. Em primeiro lugar o desejo de que a minha morte não seja súbita. Quero tempo para me despedir dos que amo, dos amigos que tenho, para recordar os que me fizeram bem, ensinaram caminhos e abriram horizontes.

Quero tempo para rememorar e agradecer a minha vida, aventurosa, variada, rica de paixões, de fúrias, alegrias, negrumes, amores, alturas e precipícios, e que por vezes, como que fora de mim, iluminou o palco e me fez espectador privilegiado do espectáculo.

Quero horas para me despedir do pobre país em que vim ao mundo. Relembrar que o amei como se fosse gente, me senti menino acarinhado e feliz no seu regaço. Que dele aprendi a língua,  única no modo de embalo, aquela que para lá do sentido das palavras deixa entrever os mistérios da música e do eterno.

O país da suavidade, do desespero, dos sonhos infantis, das mãos pobres que um nada enche, do sofrimento envergonhado e amanhãs que nunca chegam.

Irei sem perdoar aos que o rebaixam.