O texto que segue foi escrito anos atrás, numa ocasião em que, durante um dia e pico, a Morte (sim, com maiúscula, a de capa negra e foice na mão) se sentou ao meu lado. Medo não senti, antes curiosidade.
Repesco-o agora, em boa saúde, mas
arreliado e triste, rogando pragas a todos aqueles que, há cinquenta anos, se
afadigam a tratar dos seus interesses pessoais, das suas vaidades, das tolas
ganas de poderio, e dão de Portugal a imagem de um país que espelha o seu
próprio chico-espertismo.
Na minha idade, a morte próxima, tenho horas em que faço contas, revejo sonhos, listo aspirações. Em primeiro lugar o desejo de que a minha morte não seja súbita. Quero tempo para me despedir dos que amo, dos amigos que tenho, para recordar os que me fizeram bem, ensinaram caminhos e abriram horizontes.
Quero tempo para rememorar e agradecer a minha vida, aventurosa, variada, rica de paixões, de fúrias, alegrias, negrumes, amores, alturas e precipícios, e que por vezes, como que fora de mim, iluminou o palco e me fez espectador privilegiado do espectáculo.
Quero horas para me despedir do pobre país em que vim ao mundo. Relembrar que o amei como se fosse gente, me senti menino acarinhado e feliz no seu regaço. Que dele aprendi a língua, única no modo de embalo, aquela que para lá do sentido das palavras deixa entrever os mistérios da música e do eterno.
O país da suavidade, do desespero, dos sonhos infantis, das mãos pobres que um nada enche, do sofrimento envergonhado e amanhãs que nunca chegam.
Irei sem perdoar aos que o rebaixam.