domingo, agosto 7

Na corda bamba da paixão

  

Se por acaso um dia os surpreenderem, não vão ter problemas com a defesa, em parte nenhuma há rasto de que se encontram e são amantes. Caminham em terreno minado, um descuido poria fim ao encanto que dura há tanto tempo, ambos a perguntar-se que força o fez acontecer e continuar assim.

Tem cada um a sua família, os seus afazeres, encontram-se de longe a longe na presença doutros, limitando-se aos cumprimentos, às expansões e frases de circunstância.

- Estás bem? –  aos ouvidos alheios soará como uma cortesia,  mas é para ambos a certeza de que o sentir perdura, o misterioso sentir que não sabem se é amor, desejo, paixão, febre, promessa que não podem cumprir, ambos atados de pés e mãos às aparências e aos seus deveres.

- Estás bem? – a pergunta é um instante de carinho, mas logo retomam o trato social, nada traindo da excitação, e saberem que se os carris tivessem feito a agulha doutro modo os seus destinos ter-se-iam unido. Mas sentem que lhes faltaria então a febre que a ambos queima, a corda bamba em que avançam, sentindo o risco, desafiando o precipício.

Passam semanas sem se ver nem contactar, numa tão perfeita imitação de indiferença que os familiares se queixam de que se devem ver mais amiúde. Vêm então os almoços ao domingo, os aniversários, as festas, e como se fossem perdigueiros de bom farejo cheiram-se de longe, mas não correm um para o outro, a eles bastam os olhos, o sorriso, o indefinível fluído que a ambos prende.

- Estás bem? – sai-lhes aquilo em uníssono, terna emoção a duas vozes que os outros ouvem com sorrisos, nem de longe capazes de imaginar o fogo que ali arde, a história de paixão,  altruísmo e sacrifício, que poderia escrever alguém que possuísse um talento capaz de exprimir sentimentos que se imagina serem dum tempo antigo e entre almas de excepção.