Ouvi-a contar na meninice, impressionou-me de uma maneira que então não compreendi, mas são muitas as ocasiões que a recordo, talvez porque invejo quem tem fé.
Aconteceu nos anos trinta em Marrocos. Depois de pesquisas sem fim, e furos sem conta no deserto, os franceses tinham finalmente encontrado petróleo. Compreende-se a alegria dos que viam o bom resultado de anos de trabalho, tal como a satisfação do xeique que ali governava, e se via rico à maneira das histórias das Mil e Uma Noites.
A importância da descoberta justificava que se convidasse o xeique para uma visita oficial ao “califa” da França, o que iria acontecer com pompa e circunstância.
Antes dessa visita alguém se lembrou de que o xeique, habituado ao deserto, certamente gostaria de ver os Alpes. Levaram-no lá, mas mostrou-se indiferente, na peregrinação a Meca avistara montes mais grandiosos. Contudo, numa volta da estrada deparou-se-lhe uma maravilha: uma torrente de água cristalina, cuja espuma reflectia o sol com cintilações de diamante, e se despenhava-se sem cessar da altura de duas ou três dunas.
Pediu que parassem, aproximou-se do precipício onde a água desaparecia rugindo, viram-no quedar-se extático, a cabeça erguida para o céu, recolhido em oração.
Passado tempo um dignitário aproximou-se, dizendo-lhe que não podiam demorar, corriam o risco de chegar atrasados ao palácio onde os esperava o “califa” da França.
Sereno, o xeique retorquiu que Alá tinha querido que ele, seu humilde servo, presenciasse um milagre, de modo que enquanto a água continuasse a jorrar não sairia dali, com receio de insultar o Todo-Poderoso.
Custou a convencê-lo de que a catarata existia há milénios, e por fim, caminhando às arrecuas, o xeique voltou ao carro. Foi então que o ouviram dizer: - Imensa e incompreensível para os homens é a bondade de Deus!