domingo, janeiro 23

"Shit! Fuck you! Oh my God!"

 

Para contar esta é preciso um cuidado quase igual ao do cirurgião, quando se prepara para cortar em partes frágeis do organismo humano. Um descuido no relato, uma pista dada por acaso, usar nomes ou situações que possam levar à descoberta das pessoas em questão, da geografia do local, as consequências ­seriam desagradáveis. Para o que relata, evidentemente, pois os participantes nem por sombras fazem ideia de que alguém se interesse pelo que lhes acontece, e ainda por cima tenha o descaro de testemunhar as situações com cara-de-pau, fingindo que não viu nem ouviu.

Digamos então que pode ser na Peneda, ou para os lados da Serra de Alvelos, um povoado com tão pouca gente, que quem se perder no caminho e por acaso chegue ali de certeza apanha um susto, como de certeza também será a tia Carmela o primeiro vulto que encontra, anciã que à presença de estranhos reage com faro de perdigueiro.

Sem que lho perguntem dirá que mais um ano e vai fazer noventa, é viúva há dezoito, tem um filho doutor em Lisboa e uma neta também quase doutora.

Dessa quase doutora se trata agora, desterrada para ali tempos atrás, por motivo de complicações que poderiam ter dado cadeia, não fosse o papá saber que cordelinhos puxar. Mas como o assunto não nos toca, passemos ao que aqui importa.

Que a moça é simpática, nada tola, está fora de questão, só que a  passagem abrupta do Restelo para um cu de Judas onde só estivera umas poucas vezes na infância, foi um choque de alto lá.

Choque maior sofreram-no a avó e a Rita, a solteirona que dela cuida, não se vá porém julgar que foi como alguns dizem, por andar de cuecas em casa, na rua, ou quando vai à vila, que isso também o vêem elas na televisão, mas porque responde a tudo zangada, parece do contra.

- E numa fala que ninguém de cá entende. E sempre aos berros! Até pro telemóvel!