Têm um estabelecimento. Ela aperaltadinha, decotadinha, toda sorrisos, o salto alto quase a eleva ao metro e sessenta. Ele um gigante, tonitruante e faiscante como o Júpiter da Antiguidade.
Entra-se, é ela que atende, mas por mais comezinho que seja o pedido nunca sabe onde a mercadoria está. Sussurra então, como quem revela um segredo:
- Com licença. Vou chamar o meu marido. Ele está no computador!
Repete aquilo dum modo reverente, sacerdotal, com um risinho, rebolando um nadinha os olhos - Ele está no computador! – e desaparece nos fundos por detrás dum cortinado.
Surge o gigante. Enfiada, mais diminuta, a esposa segue-o dois passos atrás. O gigante cumprimenta, sorri, feita a transacção despede-se seco, volta para o corredor, afasta o cortinado e some como por mágica.
O pagamento é com ela, e com o pagamento começam as loas:
- Se o senhor soubesse! O meu marido é duma inteligência! Se não fosse ele... Os computadores, os viajantes, as Finanças, o seguro, o banco... Não há coisa que não saiba. E a fundo! É mesmo de pasmar. Nos concursos da têvê, então, não falha uma resposta. Explica tudo o que vem nos jornais. Às vezes há pessoas...
Nos dez ou mais anos que sou cliente a admiração babosa é sempre idêntica, e em chegando ao ponto de "Às vezes há pessoas" arranjo uma desculpa mal atabalhoada. Se por acaso me sobra paciência e disposição ouço o resto da ladainha:
- Olhe que sou muito feliz. Não é para desfazer de ninguém, mas um homem como o meu marido!...