Seria errado tirar conclusões apressadas, ver nas atitudes do Dionísio um sintoma da clássica diferença de humores entre genro e sogra. Nada disso, pois embora relação de ambos conheça uma vez ou outra ligeiros arrufos, esses são de pouca dura e até, calhando a hora, motivo de gracejos sem malícia.
O que de facto entre ambos acontece explica-o o senhor Aleixo. No seu tom pomposo de autodidacta, o marido de D. Noémia, pai da Mirita, detalha que aquele modo com que sogra e genro às vezes se indispõem “é apenas um sintoma de diferenças culturais”. Nada a ver com estudos, pois ambos fizeram o secundário, mas tudo em razão do facto de ter o Dionísio as suas raízes na aldeia transmontana de Caçarelhos, enquanto D. Noémia, nascida em Lisboa, considera isso uma forma de nobreza, pois como descobriu na internet, desde os seus trisavôs tem a família morado sempre no bairro da Graça.
Na Consoada calhou estarem a falar de como isto agora é, tudo proibições, e a saudade que dá do antigamente, quando D. Noémia quis saber do genro se lá na aldeia dele se festejava o Natal como em Lisboa. Porém, ao fazer a pergunta, desatou de súbito às gargalhadas, e de uma maneira que antes se diria ter um ataque de histeria.
A filha e o genro encaravam-a perplexos, incapazes de compreender um riso que nada explicava, lhe punha o corpo em convulsões e as lágrimas a correr dos olhos.
Destoava ali a atitude do senhor Aleixo, irritado e a tamborilar na mesa com os dedos, assim como quem vai explodir.
Foi um alívio quando a histeria parou. D. Noémia sorriu à maneira desculpa e continuaram a ceia. O que o casalinho talvez nunca venha a saber, é que quando os “velhotes” se deitam, e em rara hora de cio ele se encosta tanto que a D. Noémia quase cai da cama, ela o repreende sempre do mesmo modo: “Chega-te pra lá c’os caçarelhos!”