De ti, a viver entre o Minho e o Algarve, ninguém espera que ao acordar, ou mesmo pelo dia adiante, te aflijas com a situação da Pátria, pois são as voltas da vida quem estabelece prioridades. Uma vista de olhos ao jornal ou as notícias na televisão podem, um instante, espicaçar-te a curiosidade ou arreliar-te, mas logo depois o trabalho, a família, pesos e obrigações de toda a ordem se encarregam de te envolver num manto que pouco tempo, e ainda menos apetite, te deixa para te preocupares com "os interesses superiores da Nação".
Eleições também há de longe a longe, mas a vida, a verdadeira vida, não é a escolha de fantoches ou o medo do FMI, sim o preço do bacalhau, o problema dos diabetes , a farmácia, a hipoteca, o saldo no banco, os sapatos da Mariazinha.
O emigrante, falo por experiência, também não anda com as dores da Pátria às costas. Conseguiria até, dada a confortável distância da separação, olhar com certo desprendimento as peripécias da terra onde nasceu. Conseguiria, digo, mas não o deixam. A gente à sua volta constantemente o interroga, quer explicações, pasma-se sem ironia de que Portugal seja Europa.
Perguntam-te, perguntam-me, como é possível uma Jusiça assim, os milhares de milhões que desaparecem dos bancos, a corrupção de cima abaixo, as autoestradas sem trânsito, os estádios faraónicos, o fausto dos políticos, as desigualdades de um Terceiro Mundo.
Perguntam de boa-fé e sem querer me envergonham, nos envergonham.