Isto da memória tem por vezes o que se lhe diga. Ao Belarmino custa a compreender por que será que recorda tanto a falecida sogra, pois além de nunca em vida ter sentido por ela excessos de simpatia, a relação de ambos logo desde o começo do namoro com a Suzette tinha sido em pé de guerra.
Questões de temperamento, mas também porque a “Madame” – o tratamento que no íntimo lhe dava – não perdia ocasião de lhe fazer sentir que Suzette, nascida, criada e educada em Paris, de várias maneiras se encontrava uns escalões acima do funcionário que ele então era e teria continuado a ser, não fosse o seu tio e padrinho – “o Moreira das Sucatas” – sofrer uma apoplexia, morrendo sem outros herdeiros, deixando-lhe uma fortuna que, mais coisa menos coisa o punha na classe milionária.
Viviam juntos, a casa era da “velha”, mas depressa iriam mudar, pois como é de compreender, ao passar dos apertos para dinheiro à larga a vida dos três tinha levado uma reviravolta. Mas embora nem ele nem a “Madame” caíssem no esbanjamento, não era esse o caso de Suzette, em quem se tinha dado mais do que uma mudança.
Fora o ter aprendido num pronto a não olhar ao custo do que realçava a sua boa figura, na cama fazia a demonstração de inesperadas acrobacias, deixando na sombra o que o Belarmino conhecia da internet, e o que ultimamente aprendera com duas alemãs que “trabalhavam” numa moradia discreta do Restelo.
Todavia, como não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe, assemelhou-se ao de um terramoto o momento em que num domingo, a meio do almoço, Suzette anunciou com fingida tristeza que andava a tratar da separação, na terça-feira o Belarmino receberia a papelada do advogado. E não era precisa mais conversa, explicações não ia dar, metesse ele a mão na consciência.
Conta ele que não compreende, pois nunca tinha sido homem de repentes, mas foi tal a violência do murro que a Suzette caiu sem sentidos e recearam que tivesse acontecido o pior, porque por mais que a abanassem continuava desmaiada.
Supuseram que estivesse a fingir, mas não estava, levaram-na para o hospital e lá ficou um mês. Depois tudo se teria arranjado, não fosse a “Madame”, ao ver noutra ocasião o seu bem-estar ameaçado por nova tolice da filha, dizer ao genro, como se fosse sem propósito: “Nunca as mãos te doam!”