"O costume era servir o chá às cinco em ponto. No salão, à lareira, quando o tempo estava mau, e nos dias soalheiros no nicho que ainda existe na parede voltada para ocidente, donde a paisagem é sensacional.
Às quatro e meia lorde Peter acabava as suas voltas à piscina, secava-se, deitava a toalha em volta do pescoço e ignorando quem atravessasse o seu caminho subia a vestir-se.
Quando o relógio da igreja acabava de bater as cinco surgia irrepreensível num dos seus fatos de gosto antiquado, flor na lapela, o monóculo entalado. Como num ritual beijava a mão de Madame , cumprimentava-me com um breve meneio de cabeça, e antes de se sentar murmurava qualquer coisa incompreensível, sorria e terminava com uma das tais gargalhadas secas que eram o seu distintivo.
Em seguida assumia o papel de causeur brilhante, tendo sempre preste um qualquer acontecimento, uma recordação ou uma anedota que nunca falhava em nos divertir ou fazer maravilhar.
Eu não tinha então, aliás ainda hoje não tenho, uma paciência por aí além com excêntricos. Pouco se me dá que as suas extravagâncias venham do hábito, dum desarranjo nervoso ou do desejo irresistível de fazer palhaçadas. Por isso não podia reprimir um sentimento de irritação quando às seis menos um quarto em ponto, como se dentro dele funcionasse um cronómetro e vivesse uma bailarina, lorde Peter se levantava de súbito e, sem nos olhar nem se despedir, desaparecia aos pulinhos.
Madame ria, achava aquilo typiquement britannique. Eu encolhia os ombros, desconcertado de que o mesmo homem, cuja inteligência e sensibilidade faziam dele um ser excepcional, não fosse capaz de ter mão nas suas inclinações grotescas."
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in La Coca