sábado, agosto 14

A tentação do esquecimento

 

"Enquanto indivíduos, precisamos das vantagens do convívio social e do sentimento físico de pertença ao todo, sobretudo numa época em que as velhas tradições comunitárias e de associativismo estão em queda. No entanto, o regresso à normalidade não deve apagar a memória dos tempos excecionais que vivemos. A embriaguez da multidão — o efeito político de um fenómeno despolitizado — e a tentação do esquecimento podem levar-nos à desvalorização dos efeitos políticos da pandemia, a arrumar na gaveta as restrições arbitrárias à circulação, as limitações ao horário de funcionamento do comércio, a exigência de certificados, os mapas de risco que tudo justificam, as interpretações maximalistas da Constituição que têm autorizado todos os atropelos e desrespeitado qualquer sentido de proporcionalidade. Se virmos a pandemia como um teste à resistência das nossas estruturas democráticas e à capacidade da sociedade civil de vigiar e escrutinar o poder político, então temos razões para ficar preocupados. É que, no meio da multidão, poucos se atreveram a apupar o discurso do poder."

.....

Bruno Vieira Amaral, no Expresso.