Anos passados, uma daquelas conversas em que nos
perguntamos a razão de estarmos ali, os pensamentos a cobrir a fala, a atenção
a esmorecer, nos olhos um nevoeiro.
- Estás a brincar! Palavra? Nunca estiveste nas Seychelles?
- Estás a brincar! Palavra? Nunca estiveste nas Seychelles?
- Não.
Quanto mais eu negava, mais ele insistia que não podia
ser. Toda a gente ia às Seychelles.
- O Soares foi dos primeiros, os ministros vão lá, aquele
careca da televisão, não me lembra o nome. O filho do Soares. A Lili Caneças, a
tipa do Expresso. O Figo. O Loureiro. O Isaltino… Se calhar também vais dizer que nunca
foste ao México. Cancún?
- Não fui.
Não podia ser. Era eu a fazer-me caro, a fingir de
especial, a querer-me diferente e a desdenhar da mudança. Bastava olhar à
volta, ver o que acontecia, e como finalmente já não vivíamos no buraco atrasado
em que a ditadura nos mantivera, à nossa frente abriam-se os vastos horizontes
da progresso e da modernidade.
- Dizes que não foste, mas já escreveste sobre o México.
- Engano teu.
À falta de assunto de mais substância, esses diálogos
repetiam-se em monótona frequência, ele a querer-me em viagens para longes
exóticos, eu a insistir na minha pacatez.
Desde então, como é sabido, as
circunstâncias são as que conhecemos,
fala-se de crise, carestia, emigração, desemprego. Há pouco, numa roda,
por motivo que não recordo alguém referiu as Seychelles. Vi-o retesar,
mas passou-se por alto o entusiasmo antigo. Caridade não terá sido, que
dos presentes
era eu o único que nunca lá tinha estado.