Diz ele que é uma tentação de tal modo imperiosa que, além de ser causa de noites em branco, se ter tornado uma revivência obsessiva, a ponto que por vezes dá por si a falar alto e a gesticular, como se estivessem frente a frente, a teimosa a insistir na sua decisão.
Felizmente vive sozinho e aqueles "ataques", como ele próprio lhes chama, só os confia aos dois ou três amigos discretos, e mesmo esses pouco sabem da mulher que se tornou a sua ideia fixa e por razões diversas – casada, mãe, a viver longe, talvez também outras que esconde – recusa manter a relação, nem deseja ser importunada com o que foi uma tolice de que não se arrepende, mas estava a léguas de esperar que ele tomasse por amor o que para ela tinha sido algo a meio caminho da malandrice, e a entrar nos quarenta um teste à sua capacidade de sedução.
Desesperado, imaginando que talvez fosse essa a maneira de trazê-la de novo aos seus braços, surpreendeu os amigos com o pedido de que, antes de levar por diante a ideia que tinha, lhe dissessem o que lhes parecia o plano ou lhe acudissem com sugestões.
Ouviram-no, sacudiram as cabeças, um ou outro encarou-o à maneira de quem se pergunta se aquele é o Abílio que conhecem desde a primária, o Abílio inteligente, homem de antes quebrar que torcer e a quem, depois de se ter divorciado da Clarice, uma tonta que o deixou pronto para o Rilhafoles, só apontam a ligação rocambolesca com a Simonetta. Essa uma calabresa, no seu dizer campeã olímpica do Kama Sutra, mas infelizmente também sobrinha de um "Stallone", que sem aviso tinha aparecido em Lisboa e dado umas sacudidelas ao Abílio, deixando-o sem pinga de sangue ao ver como levava a rapariga presa pelos cabelos e com um pontapé a atirara para dentro do carro.
Desaconselharam-lhe o plano, pois não parecia de alguém em seu juízo, nem sequer tontaria de adolescente, dir-se-ia antes um caso patológico, o Abílio com precisão urgente de tratamento antes de ter oportunidade de fazer asneira.
Mas asneira fez e das grossas, que há meio ano paga internado no hospital, onde os médicos contaram aos amigos que não se lembram de ter visto um corpo com tanto osso partido. E que aquilo não tinha sido obra de uma mulher raivosa nem marido enganado. Aquilo tinha sido "trabalhinho" de encomenda, e a um certo grupo, pois só esses "trabalhavam" assim, tal como se deixassem assinatura. Infelizmente era melhor calar, porque hoje em dia não se pode dizer o que se pensa, nem chamar às coisas pelos nomes.