Faz muitos muitos anos éramos três a almoçar em Lisboa. Eles escritores de nomeada, eu o pexote que ambos tinham convidado por simpatia, e respeitosamente mudo embasbacava com aquela esgrima de ideias dobre a política, a história, a religião, a literatura, as mulheres, a arte…
Opunham-se em quase tudo e eu tive a impressão de que, só para me dar um exemplo de cortesia, é que de vez em quando cediam num ponto ou aceitavam uma hipótese.
Era evidente que se respeitavam, mas o facto de um viver em Paris e ser um verdadeiro e brilhante homme du monde, e o outro viver ensimesmado numa sonolenta cidade provinciana, agudizava a diferença das suas maneiras de ver.
A certo ponto, a propósito de uma observação sobre Salazar, o homem do mundo ridicularizou com verve a onda de patriotismo em que Portugal parecia ter mergulhado.
Abespinhando, empunhando o talher, o provinciano quase se ergueu da cadeira:
- Saiba você que nunca eu aceitaria viver separado da Pátria! Que nunca trocaria o nosso Portuga pelo estrangeiro! Digo-lhe mais: é tal o medo que tenho de me desnacionalizar que nunca atravessei a fronteira!
O homem de Paris segurou o queixo num gesto cansado e depois, enquanto o outro arfava de emoção, lançou-lhe friamente:
- Você não tem medo nenhum de se desnacionalizar. Do que você em medo é que, indo ao estrangeiro, lhe confirmem que além de mau poeta nem sequer sabe comer com faca e garfo.