" Meu caro Leo,
Na semana passada festejámos os teus 52 anos com boa mesa, em boa companhia e, como era de esperar, também porque o Verão se aproxima, falou-se de férias e viagens. E eu de novo me surpreendi com o entusiasmo com que, feitas as malas, te metes a caminho. Umas vezes com destinos exóticos, outras vezes a refrescar o conhecimento de regiões antes visitadas, dentro em breve para a Hungria e a Checoslováquia, depois para a Itália, em seguida para a Escócia. Só tu e Deus sabem se antes de findar o ano não terás visitado também o Japão, a Islândia, o Egipto e as praias do meu Portugal. Para mim, que recuso ir de férias, desde há décadas só me desloco se o trabalho a isso obriga, o simples pensamento das tuas viagens, e das dos milhões de indivíduos que constantemente percorrem o globo com o único fito de ver e de «viver» , basta para me perturbar. Não apenas pela repulsa que nutro pelo turismo, a grande quimera do nosso tempo, mas pela minha entranhada certeza de que no mundo em que vivemos, e passada certa idade, o anseio de viajar é sintoma de uma inquietante perturbação. Dias antes, já eu tinha tentado expor a uma audiência o meu ponto de vista sobre a idade e as viagens. Mas como não possuo talento oratório, e diante de um público por vezes o espírito se me embaralha, receio que os presentes não tenham compreendido o meu ponto de vista. No ambiente festivo do teu aniversário, entre golos de vinho e garfadas de peito de pombo, estou certo de que as minhas palavras também se perderam. Vê aí, pois, o motivo desta carta em que agora, na paz do quarto de trabalho, tento recapitular as minhas ideias sobre a inutilidade de certas viagens. Primeiro de tudo, o viajar por viajar deveria ser reservado aos jovens. Para os seus espíritos desassombrados e carecidos de experiência, tudo é descoberta, encanto, todas as vivências são novas e únicas. Descem numa estação grega, chegam a uma praceta italiana, para eles aquilo é um maravilhoso mundo. Com razão. Porque no tempo da juventude tudo no estrangeiro, mesmo o sol, reluz com um brilho mais forte. Em cada esquina espera-os um confronto, em cada sorriso lêem uma promessa, para eles mesmo o atravessar da rua, o penetrar no hotel, é aventura. Mas como podemos nós, alcançada a idade do siso, ir de viagem em busca de novidade e romance, se é próprio dos anos o ter deixado as ilusões pelo caminho? Com que razão procurar algures, com cansaço e incómodo, as paisagens que a TV nos traz a casa em cores mais vivas? Como justificar sem enrubescer o desejo de ir longe, num mundo que o avião fez de tal modo encolher que nele já a antiga noção do longe se perdeu? E para quê? Para encontrar disperso pelas veredas do Himalaia o lixo que nós aqui escondemos em sacos de plástico? Para ir beber Coca-Cola entre os nativos? Ou para, como no caso extremo dos turistas que olvidam a própria identidade, contar depois com disfarçado orgulho que se comeu numa taberna onde os turistas nunca vão? Cada adulto atacado do irreprimível desejo de viajar possuirá uma vasta gama de razões para defender a sua febre. Desde a necessidade do vazio que as férias oferecem, até ao pseudo enriquecimento que as viagens causam. Simplesmente nenhuma delas me parece válida. Passados os anos dourados da juventude o espírito não se enriquece, ordena-se. E pobres daqueles que acalentam a ilusão de que o vazio existe e se pode alcançar em Monastir ou no México. Convicto de que na segunda metade da vida as viagens são inúteis, eu receio que de facto uns e outros apenas procuram motivos para adiaras viagens essenciais: as que um dia infalivelmente acabamos por fazer à terra incognita que somos para nós próprios."
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In Mazagran – Quetzal, 2012