O Leopoldo tem um problema com nomes, a começar pelo seu próprio, pois foi baptizado pelo avô paterno, que tendo estado vidas no que era então o Congo Belga a ouvir fazer-lhe tantos elogios, criara verdadeira idolatria por Leopoldo II, o rei da Bélgica.
Se a escolha fosse sua teria sido Manolo, o nome do outro avô, um galego que no tempo da Guerra Civil fugira de Moneixas, nos fundos da Galiza, para Lisboa, onde à maneira de tantos começara de pé descalço e falecera quase milionário.
Mas Leopoldo era e Leopoldo continuaria, não se desse o caso de ter casado com a Beatriz, e esta, sensível a modas e americanices, começou a tratá-lo por Leo, de nada adiantando que barafustasse, ela às vezes por troça a chamar-lhe Leo Polvo, pois os seus braços, compridos e magros pareciam tentáculos.
Leo seria, Leo ficou, quando tem de assinar qualquer coisa ressente a velha antipatia pelo nome, mas a si próprio conforta, lembrando que águas passadas não moem moinhos, e tenta esquecer o aborrecimento.
Porém, na vida dão-se circunstâncias em que nos perguntamos se é questão de mero acaso, ou por detrás delas há uma força, não direi maléfica antes zombeteira, pois em vez de anunciar um perigo parece exceder-se no escárnio.
A desavença começou com a primeira gravidez. O médico tinha-lhes anunciado que era uma menina, estavam no carro a fumar um cigarro e refazer-se da surpresa, quando ele disse que achava Rosalía um lindo nome galego, seria a maneira de honrar o avô Manolo. Beatriz nem o encarou, como se só lhe interessasse o fumo do cigarro, a voz a separar as sílabas:
- A menina vai chamar-se Soraya como a imperatriz do Irão, e com ípsilon, que é a forma correcta.
Assim aconteceu, não se falou mais no caso. Soraya tem agora vinte anos, frequenta um curso de "Termalismo e Bem-Estar", notam-se os seus olhos azuis, mas no mais, aparência, carácter e comportamento é um bocadinho mole, o que Beatriz atribui à genética da avó paterna, uma algarvia a quem culpa de preguiça e obesidade muçulmana.
Há coisa de um mês anunciou que queria apresentar o namorado aos pais, apareceu com ele um domingo à tarde. O jovem, de aspecto simpático, tinha boas maneiras, tudo estava a correr como era de esperar, até ao momento em que Leopoldo, que já sofre de surdez, pediu ao rapaz que repetisse o nome, porque tinha compreendido mal.
- Ken.
- Como o namorado da Barbie, Ken – ajudou Soraya.
Leopoldo sorriu, não comentou. Seria Quem? Khan? Raio de nome. Mas não tinha a ver, era lá com eles.