É uma cruz. Levezita.
Pouco mais que um incómodo. E os ingénuos que me obrigam a carregá-la só se dão
conta do que fazem e dizem quando, perdida a paciência, começo a rabiar.
Querem eles saber se esta ou aquela figura de livro meu é personagem
autobiográfica, ficam de olho arregalado e a boca salivando no aguardo da
resposta.
Favorito é A Amante Holandesa, onde
um homem triste e desencantado se dá ao prazer inocente de mirar fotografias e
desenhos de jovens corpos femininos.
Um dia, uma desarvorada não se conteve, chegou tão perto que lhe senti o bafo
e, num sussurro, quis saber se "aquele era eu". Estive vai-não-vai
para consolá-la, tanto mais que o olhar da dama prometia confidências, mas
desisti, desapontei-a com a verdade.
"Aquele" não sou eu. Se de
algum modo há pedaços de mim no que escrevo, nunca o leitor, nem mesmo o que
nasceu adivinho, terá a arte precisa para destrinçar o que tranço.