Feliz aquele que tem esperança, feliz aquele que faz planos, sonha com o amanhã, não quer ouvir que lhe digam que a Terceira Guerra Mundial já começou, e ao contrário das anteriores e das clássicas, que datam do tempo das tribos, esta vai ser sem hostilidades nem armas, sem bombardeamentos, sem invasões, uma guerra "pacífica" em que as vítimas amedrontadas se deixarão fechar em casa, esperando aí o dia que lhes digam que o perigo ainda não passou, mas não tardará a que passe. É aceitar e ter paciência, ficar quieto, deixar-se vacinar, não esquecer a máscara, nem o desinfectante, seguir as instruções.
Entretanto ir-se-ão enterrando os mortos, mas só se cuidará o mínimo dos vivos indispensáveis para o funcionamento dos serviços, da assistência, conforto e bem-estar dos que detêm o verdadeiro poder, e daqueles a quem eles dão protecção, a nova nomenklatura, onde também cabem os cientistas domesticados, os jornalistas amestrados, os políticos comprados para organizar simulacros de governo e, uns graus abaixo, o que for necessário de Gestapo para manter o controlo dos que teimarem na dissidência ou na oposição.
A internet irá fechando pouco a pouco, nos ecrãs dos computadores, dos telemóveis e das televisões tudo será doçura, caras sorridentes, belas paisagens, famosos a jurar que nunca se pôde apreciar tão justamente a harmonia e a beleza do mundo, que estão para breve deliciosos amanhãs.
Todos aprenderão o risco mortal de falar livremente e que o Big Brother não é uma ficção de Orwell, mas a real, omnipotente, omnisciente e ubíqua engrenagem que até os pensamentos e as intenções adivinha e de imediato tudo comunica a quem interessa.
Deixará de haver notícias sobre o número de mortos. Se o vizinho ou um familiar morre a discrição recomenda-se, porque não há vantagem em alarmes, nem os que tudo podem e em tudo mandam apreciam as más novas. Pode parecer contraditório, mas esta nova forma de guerrear prefere o sossego. Por isso caladinhos e quietos é o melhor, porque por um nada se pode perder o que antigamente chamavam "a sopa dos pobres", embora esta não seja garantida para todos, só para os obedientes e com prazo.
Sem tiros nem bombardeamentos, zero de destruições, os povos fechados em casa definhando lentamente, apavorados com as pandemias – sim, pandemias, porque uma só não mata o suficiente nem com rapidez - as cidades desertas, aqui e ali ilhas de luxo e conforto, resorts onde tudo é brilho, festa, risos, felicidade, saúde, vigor e abastança. Um mundo de pós-guerra, exclusivo de uns quantos, o planeta finalmente livre da bicharada que imparável no fornicar e no exigir, comia tudo, sujava tudo, multiplicava-se sem freio, estava a chegar aos 8 biliões.
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PS. Isto de escrever ficção há uns setenta anos leva a curiosas elucubrações ("reflexões baseadas em dados hipotéticos ou imaginários", diz o dicionário). Foi assim que me vi a divagar sobre os nomes de pessoas hoje com formidável poder e tive de sorrir da minha própria imaginação. Bill Gates (gates: portões, os portões do Inferno) ; Jeff Bezos (bezos: beijos, os beijos da Morte); Mark Zuckerberg (zuckerberg: montanha de açúcar, a Grande Ilusão).