Uns perguntam-lhe quando sai mais uma carta, na curiosidade doutros há uma ponta de inveja, para alguns é apenas uma espécie de cortesia, os azedos encolhem os ombros, estão-se nas tintas, mas no fundo mantêm-se alerta, quanto mais não seja senão para criticar o que chamam a madureza do Porfírio Mateus.
Tinha dezassete anos quando se apaixonou por Sofia Loren, então uma actriz italiana de grande fama, e depois de muito procurar, o que nesse tempo estava longe de ter a facilidade de agora, lá conseguiu a direcção da agência que a representava e donde lhe mandaram uma fotografia autografada. Escreveu-lhes depois umas quantas vezes mas ficou sem resposta e por fim desistiu, arrependido do que gastara em selos, mais ainda do muito que sonhara de se ver convidado para ir a Roma visitá-la e depois, quem sabe…
O tempo passou, a vida deu as voltas que tinha a dar, uma noite no café à conversa com o cónego Azevedo, aconteceu-lhe falar desse pecado da juventude e o sacerdote, que já no colégio lhe tinha notado queda para a escrita, convidou-o a colaborar no Farol, o boletim da paróquia que sai impresso no final de cada mês, tem site na internet e está no Facebook. É aí que há quase um ano se podem ler as crónicas em que, sob a forma de cartas e com o título "Porte Grátis", o Porfírio doseia elogios e críticas aos conterrâneos. Cautelosamente, diga-se de passagem, não só porque em meios pequenos toda a cautela é pouca mas, sabe-o ele melhor que ninguém, os "telhados de vidro" que todos temos obrigam a temperar a franqueza. Não que o vidro dos seus seja mais frágil do que o dos vizinhos, mas porque ser casado com a Amélia o obriga a malabarismos de circo e ter em certas ocasiões o sentimento de que a encara como uma bomba-relógio.
A Amélia é desbocada. Quando alguém se lhe atravessa não se ensaia para começar aos berros de filho desta, filho daquela, ou com insultos que a alguns parecerão arcaicos mas mantêm a força que tinham no tempo de Bocage. Hoje em dia, porém, por pouco se corre perigo, um nada leva a tribunal, e assim anda o Mateus em palpos de aranha para sair da encrenca em que a mulher o meteu, contando à boca pequena que a próxima "carta" vai mexer com muita gente, acautelem-se os pais da miudagem.
Poderia esquecer aquela e redigir outra, mas quando falou ao cónego teve a surpresa de o ouvir quase a gritar: - Não os poupes! Dá neles!
Compreendeu e calou: ao presidente da Câmara chamam o "Casa Pia", o santo homem é mais de catequistas.