quarta-feira, outubro 7

No Verão dos Marmelos

 

Há anos que não gozava este Verão dos Marmelos, por isso me deixo ficar ao sol a preguiçar, desculpando-me que nada nem ninguém por mim espera, o contar de histórias não obriga a pressas e de momento desconheço urgências. Olho os montes, sigo o vôo dos pássaros, agora bem menos porque também eles têm pouco para comer, sorrio ao ouvir o cláxon da carrinha do padeiro, não pelo som de cornetim mas porque imagino a cena das vizinhas, olhando de esguelha a fingir que não vêem o que as outras compram. As carrinhas do peixe, da carne e mercearias não aparecem, porque se por aqui ainda ninguém foi infectado o vírus já matou o negócio, quem precisa de ir à vila e não tem carro, a maioria, sofre um rombo de 40 €, que nenhum taxista o faz por menos.

Assim se me vai embaralhando o pensamento, misturando o vôo das aves com o sofrimento da vida alheia, o gato a pedir atenção, a memória doutros tempos e lugares subindo sei lá de que fundos, vejo rostos, oiço vozes, estou aqui e estou longe, quase diria que o sol  me faz mal mas seria mentir, porque me sinto alerta e em meu juízo, acontece apenas que há horas em que a memória de súbito acorda e não dá paz, aceita mal a banalidade do dia, o sossego que me dou de presente.

Justifica ou vale isto as palavras com que o digo? Certamente só pela honestidade e a humildade com que o sinto.