Num tom agora corrente, que não desmerece da eficiência dos discursos com que Joseph Goebbels contribuiu para a popularidade de Hitler e levar o Nazismo ao poder, desde Março não passa dia em que não nos assustem com medos reais ou infundados, boatos, pseudoestudos, relatórios alarmantes, estatísticas falsificadas, previsões de pragas bíblicas e o mais que possa contribuir para o que se lia num artigo (peça, na novilíngua) do jornal de Volkskrant de sábado, onde era questão da urgência de notícias o mais assustadoras possível, para que os cidadãos definitivamente sintam um medo permanente e assim contribuam para acelerar a derrota do vírus.
A gente lê e encolhe os ombros, resigna-se à evidência, faz o que pode para manter a calma, perdoa cristãmente aos que não sabem o que dizem, e reza para que os de más intenções recebam a merecida paga do fogo e dos tormentos do Inferno.
Hoje, um pouco antes do almoço, sentei-me numa esplanada no centro de Amsterdam a fazer horas para um compromisso que tinha ali perto. A esplanada estava cheia à maneira de agora com o afastamento da lei, mas ainda estariam umas cinquenta pessoas em conversa amena e boa disposição.
A certa altura notei um curioso sossego, o que me levou a reparar que, silenciosa, a maioria das pessoas olhava na direcção de um casal em que o homem pigarreava a libertar-se de um inocente catarro, primeiro de longe a longe, depois enervado com mais frequência. E então custou-me a acreditar no que acontecia: vi uns olhares furtivos, uns sorrisos acanhados, dum instante para o outro estávamos ali seis, incluindo o "infectado" e a companheira.