A julgar pelo que se lê e ouve é prato do dia, e quando não é no país é no mundo, ao abrir o jornal quase se espera que não falhe a mulher espancada ou assassinada. Sabemos que para mal de todos continuará assim, e que para o jornal, a televisão, nas conversas, as más notícias são as "boas notícias", as em que de imediato se atenta e mais tempo ficam.
No que respeita a da violência doméstica há muito a dizer, infelizmente cabe às mulheres a parte maior do sofrimento e não faltam teorias, estudos, relatórios, as opiniões de peritos de toda a espécie a assinalar e a recomendar, se bem que daí nunca tenha vindo solução.
No caso destes dois não há bofetadas nem pontapés, nunca os ouvirão a gritar insultos ou acusações, e se por acaso alguém pudesse espiar o seu dia-a-dia, ou os visse à hora em que com um beijo na face se desejam boa-noite e deitam na mesma cama, diria para consigo que casais assim há muitos, casais que evitam situações extremas e navegam na vida com cautelas de piloto da barra, atento a que o navio passe ao largo dos bancos de areia e escape às correntes traiçoeiras que levam ao naufrágio.
Infelizmente, também aqui as aparências iludem. A Germaine e o Diogo são duas potências que vai para sete anos mantêm uma paz armada, ambos sabem que é frágil o equilíbrio que criaram, mas que a declaração de guerra e a abertura das hostilidades só lhes traria perdas. De modo que por enquanto é guerrilha, tão eficiente que o "inimigo" pode acusar o ataque mas se vê impotente para reagir, a menos que queira arriscar a guerra. Leva assim cada um a sua vida, cuidadoso no manter das aparências, nunca deixando que um aparte ou a expressão do rosto ponha a descoberto o que lhe vai na alma.
Amaram-se num passado que já lhes parece remoto, e se os confrontassem num tribunal teriam dificuldade em explicar como pouco a pouco, com ninharias, o caminho que parecia liso se tornou acidentado, e um franzir dos lábios, um remoque, uma ponta de ironia, os desleixos, as pequeninas irritações, são outros tantos morteiros que só por um triz não disparam, mas lhes mostram como é frágil a aparência de paz em que vivem. Paz que há muito chegou ao fim e talvez só precise da crueza de um insulto, um empurrão, o desespero duma bofetada, para que deixem cair a máscara e se libertem da cadeia em que a hipocrisia os mantém presos.
É tenebrosa e repugnante a violência doméstica da tortura física, das facadas, dos assassinatos, mas fale-se também da que tantos escondem.