Por mais que me doa não há volta
a dar: nasci, tenho vivido e hei-de morrer no país da anedota, não daquelas que
causam gargalhadas e duram pouco, mas uma com séculos de riso amargo e o afecta
como uma doença, lhe rói as entranhas e o deixa às portas da morte, mas umas
vezes por caridade, outras para que não destoe no panorama ou não continue a
aborrecer a parceria lá lhe vão deitando a mão.
Fingem não ver mas riem-se dele
e atiram-mo à cara, apontam-me o dedo: o meu é o país da trafulhice, da manha, o
país em que um corrupto afirma viver de um cofre materno onde o dinheiro nasce
e ninguém ri; o país onde o sorteio entre dois juízes dura tanto até acertar no
bom; o país em que, como por princípio, a lei não é igual para todos; o país em
que o governo chama poupança aos calotes que faz; um país onde é tanto o
fingimento que passa por realidade; o país de sonhos e amanhãs que nunca
chegam; o país onde a pulhice dos governantes é instituição; o país da gentileza,
do sorriso, das boas maneiras, mas de olhos fechados, memória curta, medo da
própria sombra e do pau com que o ameaçam; o país politicamente doente,
enfraquecido, triste, tão desanimado que o governo não tem oposição; o país em
que raro é o dia sem novidades assim