Gostava de esquecer, entreter o
pensamento com coisa que me alegrasse, mas é pena perdida.
Uma epidemia medieval num mundo
de vacinas e remédios para tantas mazelas, também um mundo de medo e
comunicação instantânea, dando voz a todos, vendo o perigo por um vidro de aumento. Um mundo em que há países
que sugerem aos cidadãos que se acautelem e fiquem em casa, e os países de
mandarins saudosos de autoritarismo que proíbem os cidadãos de sair à rua e se
atiram aos desobedientes com a multa e o cassetete. Países irreais onde o poder
ir ou não à praia se discute ao mais alto nível, mais estranhos ainda por serem
países sem amanhã, porque neles não se pensa, não se discute, não se acautela,
deixa-se o futuro ao deus-dará.
Previsão que muito me aflige, os
que por sorte escaparem à peste não vão escapar à miséria, e essa não se vai
ficar pelos que nela nasceram nela e dela não saem, mas vai levar à esmola os que se julgam a salvo e nem de longe fazem
ideia do negro futuro que os espera.
Chegará então o tempo de olhar
para trás, fazer o balanço, recordar os especialistas, os comentadores, os
mandarins, os profetas, os estudos, as estatísticas, e concluir que o rebanho
cada vez se mostra mais dócil e assustadiço, nada aprende, não acredita que o estão
a habituar a que escolha entre a morte
lenta e o gulag.