Estes dois não precisam que lhes
venham com avisos, sabem de sobra que desde o princípio caminham em terreno
minado, mesmo pequeno qualquer descuido poria fim a um encanto que dura há
tanto tempo que por vezes ambos se perguntam por que foi, que força fez com que
acontecesse assim e continue dessa maneira. Tanto mais porque vivem afastados,
cada um com a sua família, os seus afazeres, encontrando-se de longe a longe e
sempre na presença doutros, limitando-se à amabilidade e aos cumprimentos que
se fazem aos amigos, às expansões e às frases de circunstância da vida em
sociedade.
- Estás bem? – e involuntariamente
riem, porque aos ouvidos alheios soará como uma cortesia de circunstância, mas é para ambos em simultâneo a certeza de
que o sentimento perdura, aquele misterioso sentir que não sabem se é amor,
amizade, desejo, paixão, talvez febre da expectativa ou promessa que não podem
cumprir, ambos atados de pés e mãos às aparências e aos seus deveres.
- Estás bem? – se não há ninguém
por perto repetem a pergunta, às vezes agarrando-se as mãos num instante de
carinho que só dura segundos, para logo retomarem o trato social, os sorrisos,
a gentileza, a amabilidade, nada traindo do que sentem, da excitação que lhes
causa estarem ali tão juntos mas ter cada um a sua vida, e em paralelo saberem que
se tivesse podido ser, se os carris tivessem feito a agulha no momento certo os
seus destinos ter-se-iam unido, embora no íntimo sintam que lhes faltaria então
a febre que desde o começo a ambos excita, a corda bamba em que gostam de
avançar, correndo o risco, desafiando o precipício.
Nunca foram para a cama, raros
os beijos que se deram, passam semanas sem se ver nem contactar, numa tão
perfeita imitação de indiferença que os familiares se queixam de que se devem
ver mais a miúdo e lhes recordam o provérbio que avisa que não se deve deixar
crescer erva nos caminhos da amizade.
Vêm então os almoços ao domingo,
os aniversários, as festas, e como se fossem perdigueiros de bom farejo
cheiram-se de longe, mas não correm um para o outro, a eles bastam os olhos, o
sorriso, o indefinível fluído que a ambos atrai.
- Estás bem? – sai-lhes aquilo
em uníssono, terna emoção a duas vozes que os outros ouvem com sorrisos, nem de
longe capazes de imaginar o fogo que ali arde, a história de paixão, altruísmo e sacrifício que poderia escrever aquele
que possuísse o talento capaz de exprimir
sentimentos que só se imaginam num tempo antigo entre almas de excepção.