Para certas verdades, sobretudo
as que doem, o melhor é usar a ficção. Contando francamente as bizarrias da vizinha, as do amigo do peito,
as do familiar que põe à prova a nossa paciência e sabendo-nos acanhados ou
cobardes descaradamente pisa o risco, de certeza dava multa ou cadeia. Por
essas e semelhantes razões vivemos no mundo encostados a aparências e mentiras,
as quais funcionam à maneira dos lubrificantes que diminuem o atrito nas
engrenagens e facilitam o andamento da maquinaria.
Vamos então fantasiar a história
do Cunha, que parece ter vindo ao mundo com um singular destino. Desde a gentileza
do trato à inesperada generosidade ou à singular atenção, quase tudo nele é aparência,
a ponto que se tivesse seguido uma carreira teatral em vez da Engenharia, por
certo tinha alcançado o topo, não teria ficado chefe das Águas e Esgotos.
Soube escapar à prisão do
casamento, mostrando um talento raro para satisfazer grátis o que antigamente
se chamavam “os prazeres da carne”, ao mesmo tempo que com promessas a que
sempre faltava conseguia, também sem despesa, que as suas conquistas o
livrassem dos cuidados de cama, mesa e roupa lavada.
Mas os anos vão depressa e a
reforma perto, os achaques uma ameaça, era a altura de se assegurar o conforto
e os cuidados que se esperam do matrimónio, não fosse o caso de ele se sentir
por natureza um impenitente celibatário e o seu egoísmo pouca ou nenhuma margem
deixar para as necessidades, os desejos, ou os interesses alheios.
Assim sendo e fora de questão
dar o laço, restava o concubinato, o que seria simples não fosse a raiva que a
escolha iria levantar nos amores antigos, o que ele resolveu à moderna com
buscas no Facebook. Aí encontrou Wladja, que trabalhava num restaurante em Vila
Nova de Milfontes e pela maneira como se exprimia na nossa língua ninguém diria
que era búlgara, mas alentejana de nascimento.
Anunciou-lhe a visita, chegadas
as férias meteu-se a caminho do Alentejo, encontraram-se, o clique foi
instantâneo e no fim do Verão estavam de casa e pucarinho, deixando de boca
aberta os que conheciam o Cunha, que finalmente tinha encontrado fôrma para o
seu pé. E que fôrma!
Os que juram saber de mulheres
garantiam que aquilo não ia durar, porque nem a estrangeira tinha modos de
escrava nem o Cunha aguentava freios, esperassem que a demora não ia ser muita.
De facto não foi, nem ele confessará que a búlgara na calada lhe trocou as
voltas, esqueceu a pílula e ele aprendeu que se diz trigémeos.