Como milhões doutros desde Março
estou na situação de condenado ao isolamento, cumprindo pena de prisão
domiciliar e com o favor de umas fugidias ocasiões para respirar ar fresco. Não
serei eu a discutir os prós e os contras do mandamento que de uma maneira ou
outra a todos afecta, para isso há sobra de comentadores e especialistas de
ramos variados, qual deles o mais histérico a anunciar o terror da morte lenta
por asfixia.
Deus lhes perdoe e a mim também,
que comecei a escrever isto com outro propósito e me ia deixando arrastar pelo
pasmo de que não seja necessária uma ditadura para nos cortar a liberdade de
maneira tão radical e, dolorosa surpresa, com o apoio da maioria.
Estou pois fechado desde Março e
ontem telefonou uma amiga dizendo que me viria entregar um documento, o que
aconteceu a meio da tarde. Ao toque da campainha abri a porta, encarámo-nos, o
documento provavelmente caiu, só recordo que nos abraçámos e beijámos com a
amizade que nos temos há décadas. Ficou para um café, depois para jantar e uma
maratona de conversa, deixando-me o curioso sentimento de como era boa a vida no
antigamente de Fevereiro passado, como podem ter tanto valor os beijos e os
abraços da amizade e o gosto que dá desobedecer ao que manda a ditadura..