Ser idoso como eu e sair à rua,
porque ao fim e ao cabo a quarentena ainda permite ir ao supermercado e passear
no parque, dá lugar a uma interessante constatação, a da maneira como os que
têm menos idade arregalam os olhos como se vissem um espantalho ou uma daquelas
figuras que nos circos de antigamente assustavam as crianças. A expressão dos
rostos não mente. Há os que viram a cara, não vá eu espirrar para aquele lado;
os que demonstrativamente acham que o metro e meio de afastamento não chega e
dão umas passadas largas; alguns não conseguem desviar os olhos como se a
qualquer momento esperassem ver-me cair; a expressão de uns quantos revela
o que se perguntam: será que este está infectado? Também há os que nem escondem
a agressividade e lê-se-lhes na cara a interrogaçãp: como é possível deixar
que matusaléns destes andem à solta entre nós?
Vejo, oiço, compreendo, perdoo e
sorrio, já vi mais do que eles e nem a morte me assusta. Fora isso, semanas
atrás examinaram-me por todos os lados, deram-me por escorreito da cabeça, tronco
e membros, foi a minha carta de condução renovada e é válida até ao fim de 2025.