- É a vida, é a família, o
trabalho, os aborrecimentos, as más surpresas, agora essa coisa do vírus… - com
a mão esquerda espalmada, o indicador da direita a fazer de ponteiro e um modo
soturno que vai mal com a sua costumeira jovialidade, ao mesmo tempo que
calcula os seus incómodos e os que afligem o mundo, a expressão do Vasco
leva-me a sorrir, pois não o conheço dado a queixumes, todo ele é vitalidade, vive
folgado, aos cinquenta e dois a sua postura mostra ainda o centro-avante de
rugby que foi na juventude.
- Não sei como aconteceu, cedi
ao impulso. Devia ter pensado, mas a verdade é que no fundo ainda sou um bocado
romântico.
Conta então que bem sabe do
perigo que no Facebook correm os desastrados e que na internet também vale a
sabedoria antiga da cautela e caldos de galinha, mas um homem tem os seus
fracos e de alguns nem faz ideia o que os causa, certo é que o que tinha começado
como uma inocente busca de sites de contacto não demorou a ser vício, ele
a perguntar-se por que não parava com aquilo e no momento seguinte a dar mais
um passo, caindo finalmente na tentação do encontro, mas seguro de si e certo
que o rombo não seria maior do que o custo do jantar.
Faz uma pausa, deixando em
suspenso se vai continuar ou se está arrependido, de modo que nos sentimos
acanhados, ele por esconder a confidência, eu porque sofro mal ouvir casos de
aventuras amorosas, não tanto por falta de interesse ou simpatia, antes porque por
experiência as mais das vezes são de uma banalidade que entristece e põem a nu
traços de carácter que no que respeita os amigos prefiro desconhecer.
Mas enfim, estávamos naquele
impasse e eu, com mais idade do que o pai dele, resolvi que devia ser simpático
e encorajá-lo a avançar:
- Se não contas deve ser que o
tiro te saiu pela culatra. Saiu?
- De facto saiu. Não esperava aquilo.
A avaliar pelo modo como
desviava os olhos para a porta do café, o assunto era talvez mais penoso do que
eu supunha e, ele a tamborilar com os dedos no tampo da mesa, eu a esconder a
minha impaciência, ali ficámos num silêncio que já se tornara penoso quando ele
sussurrou: - Lembras-te da Sara, a filha do…
Nesse instante o telemóvel
tocou, ele atendeu, fez um gesto de desculpa e levantou-se, acenando que depois
falaríamos.
Faz meses que não nos vemos mas
não estranho que me evite, há muito me habituei às confidências que o não são e
para uns servem de espelho da vaidade, outros usam-nas como válvula de escape
para medos que não confessam.