A falar verdade isto do blog tem
para mim várias funções e a do desabafo é talvez aquela donde tiro mais
benefício, pois não me vejo a pedir a palavra em comícios ou a discutir no
café. Vou aturando, sofrendo, engolindo, mas consciente e satisfeito de não ter
nem querer lugar no pódio, dando graças pela bênção de no meu canto, em
liberdade e sem medo, dizer o que me vai no peito.
Para minha surpresa às vezes
descubro como permanece imutável o que sinto do meu país e do meu povo. Julgava
ontem escrever prosa nova, e fui descobrir quase ipsis verbis o
sentimento de dez anos atrás.
Desconheço se algum sociólogo estudou o curioso
fenómeno da dificuldade que os portugueses em geral sentem com agradecer.
Generosidade, hospitalidade, favores, cortesia, bons
conselhos, uns esquecem, estes acham que recebem aquilo de direito, outros
crêem que só um dependente ou subalterno se mostra grato. Uns são tolos ou mal
educados, os restantes involuntariamente exibem a insegurança que se associa
com os que não têm e fingem e os que não são mas tentam parecer.
Que o português nem a Deus sabe agradecer, também é
facto. Transacciona à merceeiro: se o resultado o satisfaz paga em contado e
velas, ou arrasta-se de joelhos, que além de grátis impressiona mais.
A sua especialidade, se assim se pode dizer, é o
"obrigadinho". O "obrigadinho" que simultaneamente
minimiza a oferta ou o favor, e dá aquele ar de importância que os parolos e os
simples de espírito tomam por genuína superioridade.
Há aí, pois, para as famílias, as escolas e os
senhores políticos, trabalho missionário a fazer. É urgente informar o
português de que lhe mentiram e consideraram papalvo quando disseram que o 25A
o tornaria um homem livre, íamos ser todos iguais, em público e em privado nada
havia a agradecer, daí em diante tudo seriam direitos.
A verdade é que em sociedade ninguém é livre e os
deveres ultrapassam os direitos. Fora isso, esta nossa infeliz nação é uma de
repelentes desigualdades. Mas agradecer não rebaixa, bem ao contrário: fá-lo
sem dificuldade quem se sente senhor de si e respeita os outros.