É fora de dúvida que a escrita
tem um poder curativo. Pelo menos para mim tem. Sobram as vezes que descarrego num personagem as minhas
frustrações ou faço-o pagar por culpas que tenho, tão-pouco acho um problema
atribuir-lhe os meus defeitos e perdoá-los depois no tom de pai magnânimo ou padre
confessor. Atribuo-lhe o ridículo que em mim descubro, a minha timidez, os hábitos
que não consigo descartar mas que passando a ser dele têm desculpa.
Com a escrita já me salvei de
maus momentos e dela tenho recebido daquelas satisfações que não há à venda nem
o dinheiro paga. Tem-me curado de horas de desalento e frustração, uso-a às vezes
para dar bofetadas, mas também me tem feito sentir alegrias e privilégios que
sem ela nem por sonhos estariam ao meu alcance.
Mas tudo são ocasiões e noutra
altura, com outra disposição, saiu assim:
Nisto de escrita há quem tenha
uma quinta, por vezes um latifúndio, mas a maioria, e aí me incluo, tem uma
horta. Em geral, quando o digo, as pessoas não gostam. Uns acham pedantice, a
outros parece vaidade disfarçada de modéstia, este e aquele aborrecem-se porque
consideram que a escrita, aos seus olhos coisa elevada, nobre, não se deve
banalizar em comparações que lhe embaciam o brilho.
Mas essa é a minha opinião e por
ela me fico. A escrita é a minha horta. Com respeito pelo que faço e como o
faço, semeio, lavro, rego, podo, corto uns galhos, queimo umas folhas. Sigo
ainda o exemplo do hortelão quando ofereço o fruto ou o ponho à venda, o que só
faço quando o julgo maduro.
Estive a pensar estas coisas
durante a insónia da noite passada, e num acesso de febre comecei a fantasiar
um mail que mandaria ao senhor Eça de Queirós a pedir-lhe conselho e
opinião. É que ando azedo. Bem sei que no quintal de alguns nem a couve penca
cresce, e que numa quinta ou latifúndio tem de ser grande a lixeira. Mas ó
senhoras e senhores!