Ah! Aquela maneira como o Nataniel
abre os braços, encara a companhia num modo de desafio e grita como se o
tivessem insultado: - Que me digam se há por aí alguém mais sincero e mais
directo do que eu! Venha o nome!
Aquilo é teatro, mas estamos
entre amigos, ninguém o vai contradizer nem lembrar que de memória de gente
nunca se lhe ouviu uma resposta que não venha embrulhada em tantos apartes que
o que perguntou desnorteia e muda de assunto.
Um exemplo. Há-de haver três ou quatro
anos herdou umas centenas de hectares plantados de oliveiras e um lagar de
azeite, o que nele, burguês citadino, causou uma mudança de interesses, mas lhe
dá também oportunidade de brilhar no papel de latifundiário e industrial,
entretendo-nos com as peripécias da colheita e o fabrico do azeite.
Com amigável maldade, nessas
ocasiões gostamos de o acirrar, porque sabemos que o seu carácter lhe impede a
franqueza de que tanto se orgulha.
- Então, que tal foi a colheita
este ano? Quantas toneladas?
- Mais do que o ano passado.
- Mas quantas?
- À volta de trezentos por cento
mais. E para o ano há-de ser ainda melhor.
É pena perdida querer continuar,
porque se acaba sempre no empate em que ele não dá resposta, mas continua a
jurar que ninguém, absolutamente ninguém, é tão franco, de modo que para não
estragar o ambiente muda-se a conversa seja para o que for, o tempo, a gasolina,
o Chega, tudo menos assunto em que tenhamos de suportar a bazófia da sua imaginária
franqueza.
No mais é bom rapaz e muito se
lhe perdoa, já lhe chega o martírio de em segundas núpcias ter casado com a Gabriela,
vinte e quatro anos mais nova, carinha de anjo a esconder mulher de pêlo na
venta, o que ele descobriu quando já não havia remédio a dar. Mas não lhe
perguntem como vão as coisas lá em casa, porque depois de um alegre “Tudo bem” que
a expressão seu rosto contradiz, tossica e volta a falar do azeite, cortina de
fumo que de verdade nada esconde, todos
sabemos que se dão pior do que cão e gato, as mais das vezes é ela, na força da
vida e treinada em artes marciais quem leva a melhor.
O Gonçalo, tagarela-mor, estava
de turno nas Urgências e já nos tinha contado, mesmo assim foi um pasmo vê-lo,
tal um guarda-redes de hóquei, a cabeça apertada numa aparelhagem de ferros, o
olho esquerdo negro e inchado, o queixo preso com grampos de metal.
- Então que foi isso?
- Escorreguei na escada do
jardim, caí por ali abaixo e podia ter morrido, porque aquela escada é um
perigo. Valeu-me a Gabriela estar em casa.