Alguns riem-se daquele modo do Zeferino
Bacelar, dizendo que parece da Polícia, porque quando encontra um conhecido
automaticamente o agarra pelo braço com uma força despropositada, a que usaria para
levar um suspeito para a esquadra, fosse ele guarda em vez do proprietário de
duas ópticas que lhe garantem uma ociosidade confortável.
Há os que refilam, livrando-se do
aperto, mas quem o conhece sabe que aquele feitio é a expressão dum carinho
natural, são raras as pessoas tão genuinamente bondosas e preocupadas com o
bem-estar do semelhante como o Zeferino. Ele não se limita ao habitual “Como
vai isso?”, e porque tem boa memória recorda achaques que o próprio esqueceu, o
que lhe dá oportunidade de provar a sinceridade do seu zelo.
De mim quer sempre saber se
continua sem mudança o bom resultado da cirurgia que fiz há uma dezena de anos,
e se ainda me queixo da ciática, padecimento de que também o apoquenta, embora
sofra mais com a “cefaleia em salvas”, a terrível dor de cabeça a que os
franceses chamam migraine e que já tem levado alguns ao suicídio.
Encontrei-o ontem ao fim da
tarde, agarrou-me pelo braço à sua maneira, fez as perguntas do costume, mas
quando sugeri que fôssemos tomar um café ao “Farripas” o seu rosto tomou uma
inesperada expressão de desagrado, e ao mesmo tempo que me apertava com mais
força o braço obrigando-me a parar, sussurrou que era melhor irmos ao
“Xeque-Mate”.
- E porquê?
Um dos modos aborrecidas do Zeferino
é a incapacidade de responder directamente a qualquer pergunta, pois mesmo a
mais corriqueira, como por exemplo se tem visto Fulano ou Sicrano, resulta numa
lengalenga de detalhes que não vêm ao caso ou num historial sem fim. Desta vez,
contudo, adivinhando o meu aborrecimento, pigarreou, olhou em volta desconfiado
e foi directo:
- A esta hora está lá o Chico
Simões e eu não estou pra encrencas.
- Que encrencas? Vocês são
amigos!
- Éramos. Não sei se ainda somos.
Em todo o caso no “Xeque-Mate” estamos sossegados. Lá os ciganos não entram,
porque o Remondes foi dos Comandos, guarda a moca atrás do balcão e eles também
o sabem, não arriscam. Mas com o Valério do “Farripas” atrevem-se.
- E que tem isso a ver com o
Chico?
- Que tem? Tem, e muito! É que o
palerma já antes se gabava por aí que era do Chega, e como ganharam diz que é só
o princípio, hão-de ganhar mais e vai ser uma limpeza. Mas cá na minha um dia destes
espetam-lhe uma faca nas tripas e eu não quero ver, não estou pra chatices.
Vamos pro “Xeque-Mate”.