Fácil seria
nomear o lugar, as pessoas e o acontecido, mas cair na asneira de o fazer
abertamente neste tempo a que chamam civilizado, traria daquelas consequências
que ficam para a história e mais tarde se contam num tom em que entram à
mistura a descrença, o humor, a irritação e a dificuldade de compreender.
Chamemos-lhe
então Bernardina. As boas almas ouvem-na e perdoam-lhe, mas as outras e as que
pela primeira vez a aturam, têm dificuldade em manter a calma, só aguentam
fazendo ouvidos de mercador e continuando a sorrir.
Umas vezes à
maneira de intróito, noutras talvez supondo que assim dá força à sua
argumentação, quase sempre começa por anunciar que infelizmente é viúva, mas o
defunto esteve trinta e um anos na Polícia, por isso não lhe venham com tretas,
pois é capaz de saber mais de leis do que muito doutor que por aí anda.
O que desta
vez a leva a mencionar os seus conhecimentos jurídicos tem a ver com duas
dinamarquesas que há coisa de ano e meio apareceram na aldeia, compraram a casa
do falecido Ventoinhas, o quintal, acrescentaram-lhe um bocado do terreno do
Culatra, fizeram um muro à volta e têm aquilo cheio de bicharada.
- Cães ou
gatos ninguém se ia queixar, há muito quem os tenha. Que só arranhem a nossa
língua, nada contra. E que sejam das tais, tanto se me dá como se me deu, cada
qual come do que gosta. Agora os bichos que lá têm, só vendo, e alguns nem sei
o que são! Mas pronto, até isso ainda seria o menos. O fedor é que não se
aguenta! Mesmo sem vento, basta uma aragem e parece que estão a abrir uma
fossa.
Do outro
lado da rua também se queixam, mas eu e a Zeferina é que apanhamos em cheio e
ninguém resolve isto. Vem o regedor, vem a GNR, vêm os da Câmara, andam dum
lado para o outro com o nariz no ar, e que sim, de facto, mas irem bater à
porta das camones é que não vão, porque pelos jeitos têm as licenças todas.
Foi aí que
eu disse à Zeferina que se era assim tratávamos nós do assunto, íamo-nos
queixar ao PÃO.
- Ao PÃO?
- Sim, esse
partido novo, dos bichos e outras coisas.
- O PAN.
- Ai, é
assim que se diz? Olhe que não sabia. Pois foi a esses que escrevemos, porque
se são contra as beatas no chão e a porrada nos cães, também hão-de ser contra
a porcaria e outras coisas. Não acha?
Encontro-a
uma manhã a escolher fanecas no Pingo Doce e não preciso de perguntar:
- Nem pio!
Mas olhe que já esperava, porque tão bons são esses como os outros. Da direita,
da esquerda, de cima ou de baixo, todos iguais, o que eles querem é a
manjedoura.