Este texto foi
publicado no blogue em 18.09.2010. Ontem recebi a notícia de que o meu
amigo tinha falecido, razão porque de novo o deixo aqui, à maneira de In memoriam de um leal e bom companheiro.
(Não clique,
não aumente)
Zandvoort é a praia de
Amsterdam. Vinte minutos de carro, se tanto. Sempre multidão, mesmo na
esplanada do hotel Bouwes, the place to be e poiso favorito da “plebe de
luxo” (em holandês: luxe penoze) dos Rolex genuínos, Cayennes,
Carreras, Jaguars, diamantes, putas que não parecem putas,
champanhe, Partagas, muito riso, aqui e ali turistas de olhos
arregalados, perguntando-se se aquilo será filme ou televisão, porque realidade
não parece.
Sabendo-o imprevisível não
me perguntei porque marcara o encontro em semelhante lugar, pois com mais
conforto e menos viagem teríamos falado no seu escritório ou num dos cafés da
vizinhança. Mas não senhor:
- No Bouwes. Às
seis.
- Pois sim.
Vejo-o aproximar-se,
sessentão erecto, impecável no modo e no fato, aperto de mão a este, sorriso
àquele, aceno breve aos que já defendeu no tribunal, abraço ao colega, beijinho
à dama.
Senta-se de costas para
eles, diz ao empregado que também quer cerveja, faz um esgar de enfado, mas em
vez de entrar no assunto do encontro pergunta à queima-roupa:
- Quantas vezes urinas por
hora?
- Quantas vezes? Não faço
ideia!
A expressão do seu rosto
impede-me de rir e ele explica. Com a próstata não tem problemas,
mas disseram-lhe, e parece que é mesmo sério, urinando quatro ou mais vezes por
hora sem sofrer da próstata indica isso problema cardíaco. Coisa grave. Era o
que lhe acontecia agora. Mas não queria ainda consultar o médico, perguntava
aos amigos.
Não pedi explicações, não o
contradisse, não minimizei a sua preocupação. Deixei-o falar. E ele falou,
longamente. Dos medos, da velhice, dos amores falhados, dos desencantos.
Continuou durante o jantar. Decidimos depois que o nosso assunto ficaria para
outra altura, mas quando nos separámos tive de sorrir, porque nas quase cinco
horas de convívio não tinha ido à casa de banho.