Vêm aí os chineses
São inúmeras as razões para as
desavenças familiares, e com verdade se pode afirmar que a maioria delas
encerra o embrião de uma telenovela ou romance, dependendo isso do talento de
quem se meter a escrevê-lo. Porque talento, e muito, é necessário para fazer um
bom enredo de situações comezinhas, pois o geral dos conflitos domésticos quase
sempre tem origem em motivos que, analisados a frio, facilmente seriam
resolvidos.
O mal é que há horas em que as
diferenças de sensibilidade fazem com que o simples se torne complicado, o que
aos olhos de um estranho mais não seria que um amuo possa resultar em tragédia,
uma troca de palavras seja motivo para facadas. Isto para não falarmos das
situações explosivas criadas por interesses opostos no caso de heranças,
partilhas, ou simplesmente animosidade irracional. Uma faísca de desacordo,
adeus harmonia familiar.
O caso que me contou um jovem
recém-casado, de certa maneira escapa à lista habitual, mas distingue-se por
ser muito deste curioso tempo em que vivemos, e também porque antecipa
situações que, por agora, só complicam a vida de poucos.
Discutia-se alegremente ao
jantar acerca do nome do bebé que vai nascer em Junho. É rapaz, e os onze familiares
presentes foram unânimes na escolha de que será António, o nome de ambos os
avôs. Falou-se em seguida dos preparos
para a festa do baptizado, de enxovais e fraldas, de parteiras,
chupetas, rememorou-se a infância do casal, até que no meio disso tudo o pai da
jovem mãe fez tilintar o copo, pedindo atenção.
Catedrático de Economia e
obcecado pelo planeamento, propunha ele que no primeiro aniversário do menino
se contratasse uma empregada chinesa.
Pasmo geral. Com raras
excepções, todos os presentes tinham sido acarinhados na infância por raparigas
minhotas que, modelos de ternura e afeição, ficavam anos na casa. Que motivo
havia agora para no meio da mais portuguesa das famílias implantar uma
empregada exótica?
Razão e boa, como explicou: - Vocês
sabem-no tão bem como eu, não há dúvida nenhuma de que os chineses já dominam o
mundo. Estão em toda a parte, compram tudo o que tem valor estratégico. Um miúdo que fale mandarim começa
a vida com uma enorme vantagem!
De seguida, claro, foi cada
cabeça sua sentença, o que tinha começado com serenidade e harmonia acabou em discórdia,
alguns ficaram de relações cortadas.
Agora pede-me o jovem que lhe diga
o que penso da atitude do sogro. Não vou dizer, nem sequer lhe confessarei a
inveja que tenho de quem sabe planear.