A roda dos cavalinhos
Porque rebrilha de luzes e cores,
tem música, gira muito mas não sai do sítio, a quem como eu a vê de longe a política
nacional lembra a roda dos cavalinhos: os animais mantêm-se firmemente
aparafusados e insensíveis, a garotada que os monta bem pode espicaçar, mas é jogo, aquele galope uma ilusão. E porque
do ‘nobre povo’ do hino parece não se esperar mais do que bata palmas como a
claque nos teatros, acusam-se de não compreenderem a realidade os que julgam o
espectáculo deprimente.
Mas pensem os outros como quiserem
e pareça eu azedo em comparação, a verdade que salta aos olhos é que não
somente o jogo político em Portugal denota grande refinamento, como é inegável
que os nossos políticos, por escasso que seja o seu preparo e duvidosos os
diplomas com que alguns se enfeitam, manobram eles nas repartições, nos
ministérios e na Assembleia da República com uma virtuosidade de ilusionistas.
Há quem zombe da sua falta de
cultura e garanta que são poucos os que abrem um livro, mas suspeito que, bem
ao contrário, os que dão nas vistas pela
habilidade, se nunca ouviram falar de A Arte da Guerra de Sun
Tzu, de O Príncipe de Maquiavel, ou os
fecharam ao perceber que aquilo ultrapassava o seu entendimento, sabem de cor e
salteado páginas inteiras de O Conde
d’Abranhos, de Eça de Queirós. Porque não somente encontram aí os
princípios imutáveis por que se guia a política nacional, como vêem confirmado que
a estratégia que seguem lhes garante o sucesso:
‘O sistema da violência foi
abandonado como inútil, e começou, com êxito, o dúctil método da habilidade… Em
vez de bater uma forte patada no País, clamando com força: - Para aqui! Eu
quero! – os governos democráticos conseguem tudo, com mais segurança própria e
admiração da plebe, curvando a espinha e dizendo com doçura: - Por aqui, se
fazem favor! Acreditem que é o bom caminho!... Tal é a tradição humana, doce,
civilizada, hábil, que faz com que se possa tiranizar um País, com o aplauso do
cidadão e em nome da Liberdade… Eu, que sou governo, fraco mas hábil, dou
aparentemente a soberania ao povo, que é forte e simples. Mas, como a falta de
educação o mantém na imbecilidade, e o adormecimento da consciência o amolece
na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito… E quanto ao seu
proveito… adeus, ó compadre!’
Vêm aí as eleições e dói a certeza
de que, embora fortes e simples, continuaremos indiferentes, moles, pasmados com
a fantasia da roda dos cavalinhos, que gira sem sair do sítio.