(Clique)
Era outro assunto, mas a frase
escapou-lhe e a confidência veio assim, um desabafo inesperado, a melancolia de
mistura com o desalento e as decepções da maternidade, da vida de casada, da
juventude perdida, do suceder monótono dos dias.
Domingo de manhã. Sete e meia.
Acordaram e continuam imóveis, os corpos não se tocam, um instante depois ele
levanta-se, espreguiça-se, sai do quarto. Ela abre os olhos. Incomodada pela
claridade do dia volta a cerrá-los, imita mentalmente o tom com que ele anuncia
sem a encarar: - Vou ver os miúdos.
Claro que também ela ama os
pequenitos, sofre com os achaques, se assusta com as pontas de febre, as
tosses, aflige-se quando não comem ou os vê chorar sem razão que adivinhe. É
mãe, sente-se mãe, mas foi sendo subtilmente empurrada para fora do território
onde o Alberto e a sogra dispõem e regulam.
Estranha metamorfose. Era todo
de desporto e festas, mas ao tornar-se pai quase que de um dia para o outro se
transformara num ser quezilento, preocupado com ninharias. Ele, que nunca tinha
levantado um dedo, lavava agora a loiça, limpava o pó, arranjava os armários,
acomodava a roupa, ia ao supermercado, mudava as fraldas, preparava as papas,
ouvia-o combinar com a mãe, aos risinhos, idas à praia, passeios ao Zoológico.
- No sábado vamos ao Cirque
du Soleil. Dizes sempre que detestas circos, se calhar não queres ir. Ou
queres?
Respondia-lhe com um aceno e
pegava nos cigarros, saía para a varanda, os miúdos a bater nas vidraças, ele,
paciente e muito pedagógico, a explicar que o tabaco era um veneno, teriam de
esperar até que a mamã apagasse aquela porcaria.
Ouve-o entrar no quarto de
banho. Era diferente, mas tornou-se homem de hábitos e a manhã de domingo é
hora de sexo.
Ela própria se surpreende da
rapidez com que se veste. Apanha a mala, leva os sapatos na mão, ouve os filhos
a rir de qualquer coisa que a sogra cantarola. Fecha a porta sem ruído e não
espera pelo ascensor, desce as escadas a correr. Olha o relógio num
automatismo. Oito e vinte.
No táxi hesita um momento, mas
logo decide:
- A Santa Apolónia, se faz
favor.