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Demos os pêsames, assistimos à missa e lá seguimos no enterro, em cada rosto a apropriada expressão de dor. Mal seria se se pudesse ler o que nos ia no peito, a pena que dá levar para o cemitério um jovem que merecia outro destino.
Outra destino, e pais menos
cegos na idolatria, acobardados no medo de não fazerem o bastante, não o
mimarem o suficiente, assustados com as tosses, o nervosismo, fechando os olhos
às bebedeiras, contentes de o verem moderno, tatuado, o cabelo pintado de azul
e amarelo.
Tinha-se inscrito num desses
institutos onde ensinam curiosas matérias, e se dispensam igualmente curiosos
diplomas. Dizia-lhes que aquilo era o futuro, e que ele o garantisse bastava,
não precisavam de ver, fora que era longe, para os lados de Santarém.
Deu cabo do BMW, compraram-lhe o
Audi. Espaçava as visitas, a mãe enlevada com as batas brancas, que ele trazia
para que lhas lavasse, a mostrá-las orgulhosa à vizinha, mais um ano ou dois e
também ela ia ter um filho doutor.
Na sexta, quando chegou,
pareceu-lhes mais magro. Na madrugada de domingo acharam-no na rotunda das
bombas. Overdose.
Foi do coração, dizem os pais. Nós
e a família repetimos: foi do coração.