No último sábado, ao começo da tarde, numa estação de serviço na autoestrada Poitiers-Bordéus, mesmo aqueles que, como eu, têm pelos automóveis um interesse sobretudo prático, embasbacavam para o Mercedes de dois lugares junto da bomba. A elegância das linhas, a aerodinâmica, o luxo, o acabamento, tudo nele ressudava uma qualidade que instintivamente se sente ao alcance de poucos, e ao deixar a bomba, para ir estacionar mais adiante, o som do motor, embora reduzido, falava de uma incrível potência.
Saiu dele um casal à volta dos trinta. Pela atitude, os
gestos, no modo como conversavam, e até na maneira de fumar, tudo neles falava
de gerações de dinheiro e elegância, vidas cheias de certezas, segurança e
poderio.
Qualquer coisa, todavia, indicava que se retinham,
se davam conta que estavam em público, obrigando-se a travar um gesto, a
crispar as feições, a fingir um súbito interesse pelo que os rodeava.
No momento em que passei, a imagem que deles guardo é de
que lhes seria difícil manter a contenção, parecendo antes estátuas do que
gente de carne e osso.
A autoestrada atravessa os vinhedos de Cognac e de
Bordéus, não é exagero dizer que o sol doura as videiras, que há beleza e
serenidade na paisagem, diverte
aperceber aqui e ali um lugarejo que recorda os romances de Simenon, tão
competente na mistura das paixões e dos crimes.
À minha frente não se via nenhum, e atrás, espaçados, viriam
quatro ou cinco carros, quando de súbito, como se realmente voasse, apercebi o
Mercedes no retrovisor. No mesmo segundo tinha-nos ultrapassado.
Já noutras ocasiões me dei conta de que o tempo é uma
estranha dimensão e nem sempre se mede de igual maneira. O Mercedes pareceu que
travava, rodopiou em slow motion duas
ou três vezes, foi em voo planado sobre o separador e deteve-se no talude, as
rodas para o ar.
Paramos, corremos todos a acudir, uns chamando o 112, mas
logo nos demos conta de que era inútil a pressa.