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Com razão ou sem ela, e sobra de motivos reais ou imaginados, chega sempre a hora em que nos queixamos da vida que temos.
Única sobrevivente
entre os trinta passageiros e os tripulantes do pequeno avião que em 1992 se
despenhou na selva do Vietnam, Annette Herfkens veio a si segurando a mão do
namorado e rodeada de cadáveres, incapaz de se mover por ter quebrado ambas as
ancas.
Conseguiu
arrastar-se pelos cotovelos até uma distância onde deixasse de sofrer o odor da
podridão e não visse os vermes que em pouco tempo tinham começado a sair dos
olhos de um cadáver ao seu lado. Oito dias sobreviveu sem comida e bebendo água
da chuva. No sexto avistou um camponês a certa distância e gritou, acenou,
mas o homem desapareceu sem lhe dar ajuda. Viu-o de novo no dia seguinte,
olhando-a imóvel. Só à terceira vez apareceu com outros aldeãos, vindo mais
tarde a saber-se que não se tinha aproximado por julgar que ele fosse um
espírito.
Meses depois, já
na Holanda, mas ainda numa maca, pôde assistir ao funeral do namorado, uma bela
e comovente cerimónia, "dando-me a impressão de que casava com um
morto". O choque viria mais tarde, quando se descobriu que o defunto no
caixão era um passageiro inglês, e que, em consequência de um engano, o seu
namorado tinha sido cremado na Suécia.
Numa entrevista
com o semanário neerlandês Elsevier, donde
estes factos são retirados, Annette Herfkens conta ainda como o seu casamento
falhou, em consequência de ter um filho autista (*), acrescentando: "A
vida torna-se mais fácil quando abandonamos o ego. Graças ao que desde o desastre me
tem acontecido, é que me dou conta da beleza da vida."
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Annette Herfkens
(1962) estudou Direito em Leiden, é directora do Banco Santander em Nova Iorque
e acaba de publicar Turbulence: A True
Story of Survival. A fotografia é de Matt Carr.
(*) Segundo uma
estatística, isso acontece em 85% dos casamentos com um filho autista.