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Sofrem ambos daquela timidez nórdica que impede a exteriorização dos sentimentos, e nos trinta anos que levam de casados nenhum deles recorda um instante em que se tenham deixado arrastar por um impulso.
As suas espaçadas cópulas anunciam-se com toques
desajeitados em manhãs de domingo, ou seguem-se às bebedeiras de sábado, nunca
elas foram e jamais serão assunto de conversa, comentário, ou gesto de
cumplicidade, ambos a travar o desejo de descobrir o que o outro espera,
se acalenta sonhos, fantasias, se lhe dói a insatisfação, qual o motivo da
reserva.
Conversam sobre o trivial doméstico, têm a rotina e as
contas confortavelmente arranjadas, combinam as férias um ano antes, alternando
a Sicília com a África do Sul, por vezes um cruzeiro.
É o que estavam a combinar essa tarde, estudando folhetos, o
computador ligado, ambos de acordo que seria interessante voltar aos fiordes de
Ålesund e Sunnmøre, irem de novo a São
Petersburgo.
- Vou reservar – disse ele, ao mesmo tempo que procurava
entre a papelada. Nesse momento ouviu-a repetir baixinho, como para si própria,
"São Petersburgo!", mas evitou encará-la.
Tinha sido há uma
vida e sabiam-no ambos, por duas vezes tivera de esperar que o camareiro
saísse da cabine, mas só agora, à sua maneira, ela confessava.