Que força será a que nos leva a confidências inesperadas, sem que se lhes descubra o motivo ou delas nos venha consolo ou proveito?
Alegria da invenção? Desejo de protagonizar? Necessidade
de colorir a rotina ou, por um momento, ser ponto de mira, recebendo o
interesse que doutro modo não nos mostram?
O senhor sentou-se junto de mim na Feira do Livro, e
estendeu o exemplar para que lho autografasse.
Setenta bem conservados, postura marcial, esperou que eu
terminasse e, recolhendo o volume, olhou-me de frente:
- Quero-lhe dizer que fui Capitão de Abril!
Habituado a surpresas maiores, pus um sorriso de
circunstância e aguardei a continuação:
- Capitão de Abril e ajudante-de-campo do nosso general
Spínola!
A conversa podia tornar-se interessante, mas a democracia
há muito entrou boas maneiras, a senhora que aguardava vez quase que o
empurrou, resmungando:
- O 25 de Abril não serviu para nada. Tivessem deixado
tudo como estava, porque digo-lhe uma coisa, havia pobreza, mas ao menos nesse
tempo havia alegria.
- E respeito – concluiu o senhor que seguia.